As redes sociais se tornaram uma vitrine, através da qual se pode acompanhar o que as pessoas fazem, pensam ou compartilham. Ao mesmo tempo, pode ser uma vidraça para quem se expõe no ambiente virtual sem medir as consequências. E nesse território onde não há divisão entre público e privado, patrões e recrutadores estão de olho no que os profissionais compartilham e nas possíveis repercussões que podem ser geradas.
Neste mês, um funcionário da Latam foi demitido após ter aparecido em um vídeo com outros brasileiros constrangendo mulheres durante a Copa da Rússia.
Advogados trabalhistas ouvidos pelo G1 afirmam que o mau uso das redes sociais pode dar demissão, inclusive por justa causa – leia mais aqui.
Segundo a pesquisadora e consultora na área de comunicação digital Carolina Terra, as empresas estão de olho nos perfis, não apenas os monitorando diretamente, mas recebendo denúncias de pessoas que veem os conteúdos impróprios.
“As pessoas falam mal do chefe na rede social, mas não na cara dele, porque têm a pseudo-sensação de estarem protegidas, mas na verdade estão ultraexpostas e isso logicamente traz consequências”, diz.
A consultoria especializada em recrutamento, seleção, outplacement e recolocação de executivos Luciana Tegon ressalta que os profissionais são avaliados também no âmbito pessoal. “A gente quer entender um pouquinho o que faz aquele candidato que pode vir a se tornar funcionário dentro da empresa”, explica.
Segundo ela, os recrutadores fazem a pesquisa em perfis nas redes sociais quando o candidato consegue chegar à fase final, que é a entrevista com o empregador.
“Em alguns casos, os perfis nas redes sociais valem como critério de definição para que uma pessoa seja contratada ou descartada”, afirma.
Segundo ela, na entrevista presencial, é possível ver o que o candidato quer passar, mas existe sempre um outro lado que ele não conta, e nas redes sociais é possível conhecer o lado pessoal dele.
A coach executiva Luciana Tegon diz que as redes sociais também podem trazer benefícios para quem souber tirar bom proveito delas.
Segundo ela, pessoas engajadas em causas de voluntariado, em ONGs de animais, campanhas de agasalho, que praticam esportes, fazem jardinagem, por exemplo, são bem vistas pelo mercado de trabalho, que vê como positivo o que elas fazem quando estão fora da empresa.
Luciana conta o caso de uma secretária bilíngue que se destacou no processo seletivo porque em sua rede social ela mostrava seu trabalho voluntário num lar de idosos. “A rede social é uma ferramenta, que pode ser usada para o bem ou para o mal.”
Segundo Carolina, postar conteúdo prestador de serviços é sempre bem visto. “Ser um curador de informação no segmento do qual o profissional faz parte fará as pessoas o seguirem”, diz.
A coach executiva recomenda a quem for procurar emprego que antes revise seus posts nas redes e faça os ajustes necessários (veja dicas abaixo).
Luciana conta o caso de um candidato que tinha um currículo excelente, com fluência em três línguas e longa experiência profissional. Mas nos últimos 6 anos tinha trocado de emprego três vezes, o que dava indícios de ser um profissional instável. Esse argumento se comprovou quando os recrutadores verificaram seu comportamento nas redes sociais. Segundo ela, ele não tinha medida com bebida alcoólica e frequentava lugares que não condiziam com a função que ele ia exercer na empresa. Acabou não sendo contratado.
“A gente olha o conjunto de coisas, o que a pesquisa mostra, se tem comportamento adequado ou inadequado”, resume.
Carolina sugere, em último caso, ter dois perfis – um profissional e outro pessoal. “No pessoal fala o que quiser e mantém privado, e no profissional trata apenas de assuntos referentes ao emprego ou ligados ao segmento da carreira”, recomenda.
O professor de etiqueta em redes sociais e de mestrado profissional em jornalismo Ivan Paganotti diz que as empresas monitoram ativamente a participação dos funcionários nas redes sociais devido à preocupação com a reputação e com a segurança da informação, e geralmente elas avisam que estão fazendo isso.
Esse procedimento, segundo ele, é para prevenir que situações de crise surjam da exposição deles nas redes sociais, e já avisam que esses comportamentos poderão ser punidos.
“Se a empresa identificar um posicionamento inadequado, mesmo sem levar a uma repercussão maior, pode punir o funcionário com advertência ou fazer curso de adequação, agindo de forma preventiva”, diz.
Ele cita como exemplos o caso de um funcionário da rede de cafés Starbucks, que foi acusado de racismo nos Estados Unidos por chamar a polícia ao ver dois consumidores que estavam há muito tempo sem consumir. Os clientes denunciaram que sofreram discriminação por serem negros. “A empresa teve que dar uma resposta coletiva para isso e deu curso de formação para os funcionários contra discriminação”, conta.
Outro caso foi o da empresa de serviços de hospedagem Localweb, em 2010, cujo funcionário falou mal de um time de futebol nas redes sociais e era justamente a equipe patrocinada pela empresa. Ele acabou demitido. “Esse caso mostra como a crise de reputação da empresa pode surgir da participação dos funcionários nas redes sociais. É difícil separar a vida do torcedor do funcionário da empresa”, comenta.
Paganotti conta outro caso de uma funcionária que recebeu advertência por ter enviado um e-mail profissional para o marido com informação sobre promoções de motéis. A alegação da empresa é que ela usou o e-mail profissional para uma atividade “pouco ortodoxa”. “Ela mandou só para o marido, mas a empresa entendeu que ela poderia causar algum tipo de dificuldade no futuro”, explica.
Outros casos comuns são de funcionários em fotos nas redes sociais consumindo um produto da empresa concorrente.
Paganotti explica que, além do monitoramento, as empresas estão fazendo treinamento, implantando código de conduta e ética e regras de boas práticas nas redes sociais. “São empresas que já tiveram cobrança do público e, as que não tiveram, olham para seus concorrentes que se deram mal e agem de forma preventiva”, afirma.
Para o professor de etiqueta nas redes sociais, o público tem cobrado um posicionamento das empresas com mais frequência, o que mostra que é difícil separar a vida particular da profissional.
“As pessoas procuram onde o profissional trabalha para pedir punição, e as empresas atendem a isso. A responsabilidade então fica com os funcionários que agiram mal e não com a empresa”, explica.
Há casos em que as empresas se sentem prejudicadas, mesmo que o comportamento não tenha a ver com o trabalho do profissional ou não tenha havido exposição da companhia. Dentro disso se enquadra o caso do funcionário da Latam que foi demitido. “É uma forma de a empresa deixar claro que esse tipo de atitude não será tolerado”, diz.
Carolina defende que as empresas tenham uma política de mídias sociais interna, voltada para os funcionários, mostrando qual o comportamento que a empresa espera deles.
“Pode ser documento, vídeo, estar no contrato de trabalho que, ao cometer ato de preconceito, difamação e calúnia nas redes, a empresa se reserva a não querer aquele funcionário”, afirma.
“A gente não é só pessoa física na rede social, é jurídica também, representa aquela empresa em que trabalha”, ressalta a consultora na área de comunicação digital.
Para Carolina Terra, as pessoas não enxergam a fronteira entre o corporativo e o virtual e, como não estão conseguindo lidar com essa hipervisibilidade, acabam pagando por isso.
“Se elas falassem no bar, teriam consequência, mas na rede social fica exacerbado. E não estão medindo as consequências dos seus atos. Antigamente poderia render processo se viesse a público. Mas com a rede social tem o mundo inteiro vendo e reprovando aquele ato inconsequente”, diz.
Para Paganotti, todos devem ter a percepção de que hoje em dia não há mais divisão entre profissional e pessoal nem público e privado. E como não há como controlar as críticas, é preciso aceitar o fato de as pessoas poderem expor seu incômodo com certos comportamentos.
“Ter consciência sobre o funcionamento das redes pode acontecer baliza nossas condutas. E lembrar de experiências anteriores que causaram problemas faz com que as pessoas encontrem a melhor forma para se expor”, diz.
Para Carolina Terra, ninguém mais tolera preconceito, difamação ou calúnia. “Quem fez aquela brincadeira na Copa da Rússia não imaginou que aquilo pudesse rodar o mundo. Mas foi bom para alertar as consequências de um ato impensado”, diz.
Veja abaixo 16 dicas de Paganotti, Carolina e Luciana:
Publicado originalmente em minha coluna no G7News.